O PROFESSOR- COORDENADOR E AS ATIVIDADES DE INÍCIO DE ANO
Ana Archangelo Guiii Professora da UNE SP, Presidente Prm Doutorado pela UNIC Fábio Camargo Bandeira \ Professor da UNE SP, Presidente Pnu Mestre pela PUC
Psiíroducão: apagar incêndios não caracteriza a função do professor-coordenador
A escola é um universo bastante complexo: há uma finalidade aparentemente conhecida e cousa; era tomo da qual se aglutinam pessoas frequentemente muito diferentes, que desempenham funções vari com atribuições, expectativas e demandas diversas. Por essa razão, muitas vezes a escola funciona a pan enuívoco de que todos sabem o que ela significa para si e para o outro; subentende-se que todos estão lá poi ú uca razão, que todos sabem o seu papel, todos conhecem seu ambiente de trabalho e sua dinâmica.
É, portanto, esperado que, desse equívoco, surjam alguns problemas no dia-a-dia que, mesmo qt simples ou corriqueiros, tendem a se agravar, uma vez que sua compreensão estará contaminada pela ideia ( d'ga-se) de que tudo acontece j.-or uma atitude deliberada de alguém que, mesmo sabendo de sua ta "e: responsabilidade, deixa de assuni -Ia, prejudicando o conjunto da escola.
Esse é o contexto em c;ae trabalha o professor - coordenador. É necessário que ele seja c
O coordenador tem, pelo nenos, três níveis de atuação, que não se excluem. São eles:
1. o de resolução c.j problemas instaurados;
2. o de prevenção cb situações problemáticas previsíveis;
3. o de promoção cb situações saudáveis do ponto de vista educativa e socioafetivo.
Todos esses níveis são necessários e fundamentais. Entretanto, não é difícil perceber que um tia voltado apenas para o nível l, além de pouco produtivo, desgasta a figura do coordenador e de toda a esco instituição fica à mercê dos humores, das imagens distorcidas que um tem em relação a.o outro; o coordei í ca "correndo atrás do prejuízo"
Além disso, não há cca^rução de projeto pedagógico no nível 1. É preciso que se alcancem os níve. 3 para que ele possa ser objeto -Je preocupação, pois o projeto pedagógico é uma antecipação da escolí queremos. Se é importante que 6 projeto parta da escola real, de seus conflitos e problemas, ao mesmo ten essencial que seja elaborado a partir de irmã dose de liberdade em relação a ela. Ou seja, se as preocup; diárias e imediatas consumirem todo o potencial de trabalho do coordenador, não haverá condiçõt articulação de pessoas em torno de metas a médio e longo prazos; o amadurecimento institucional será
exclusivamente pelo acaso e por situação incidentais.
O contexto do início do ano
O início do ano implica'especificidades no funcionamento da escola. Muitos alunos estão ingress em uma nova realidade.
mo |
Os alunos novos ouvem falar da escola: "é a melhor do bairro", "é a pior", "é um quartel", "é moleza", "tem o professor mais isso ou mais aquilo". Sobre os boatos e mitos constróem suas expectativ muito de sua postura naquele universo. Com os alunos já veteranos, as fantasias pairam sobre as evenl mudanças na ordem já conhecidí:
Mas não apenas os alunos têm expectativas em relação aos professores e à escola; o inverso tam acontece. Os professores imaginam seus futuros alunos também a partir de informações e comentários espa que ganham um contorno x ou.y,: dependendo da imagem que têm de sua clientela, da competência do direto do coordenador para incluir e excluir os alunos difíceis, por exemplo.
Apesar disso, professores e alunos voltam com uma energia renovada e com expectativas para o trab que se inicia. Se a escola volta a funcionar sem levar em conta a realidade descrita, corre o risco de v desenrolar de suas atividades contaminado por aspectos mais ilusórios que reais. As pessoas passam relacionar umas com as outras e com a própria rotina de trabalho a partir das imagens construídas em conte que não o do trabalho educativo
A;; atividades especiais de início de ano
Para que a escola possa interferir nesse jogo de imagens, é necessário que ela traga, de forma deliber Intencional e planejada, alguns dados de realidade que possam ser confrontados com as fantasias ali presei Para isso, é importante que aja eií: duas direções:
a) -Conhecendo a própria realidade que se renova a cada ano;
b) Criando canais efetivos de divulgação e discussão dessa realidade.
Para o início de ano, algumas tarefas específicas devem ser garantidas para essa finalidade. Uma de~ o processo de Caracterização dos alunos. Ela dá condições ao coordenador para realizar a Montagem de de aula. As informações obtidas na caracterização devem também motivar unia Preparação dos profess para a recepção dos alunos. Essas três atividades culminam com a Recepção dos alunos.
L Caracterização dos alunos
a) Âmbitos da caracterização
O aluno pode ser conhecido em diversos âmbitos, mas é necessário que se trabalhe co: informação mais pertinente à realidade escolar. Uma ou outra poderá variar conforme as especificidade cada escola, mas as que seguem são de interesse geral:
1. Desempenho escolar, motivação e disciplina para o estudo;
2. Imagem e expectativa que o aluno tem da escola;
3. Aspectos pessoais, tais como características básicas de comportamento, gostos, hobbies.
b) Caracterização de alunos novos versus caracterização de alunos antigos
A dinâmica escolar se apresenta como múltipla e complexa; assim, na escola, raramente se realiza ob.-stivo ou propósito único por meio de uma atividade. A caracterização de alunos é uma dessas atividades co idensam uma série de objetivos e propósitos da instituição escola e, exatamente por isso, requer espi atenção e zelo. Em primeiro lugar, é necessário distinguir a caracterização de alunos novos na escol; caracterização de • alunos que ingressaram nela em momento anterior. No primeiro caso, diríamos que necessários instrumentos específicos e aprimorados para um conhecimento rápido, ao mesmo tempo substantivo, do aluno que ingressa na escola e que deverá ser levado em conta em seus vários aspectos a mtsmo do início das aulas. A caracterização dos alunos antigos já é feita tendo-se conhecimento prévio d A—im, conhecendo o aluno em seu dia-a-dia de sala de aula, de seus hábitos, atitudes, gostos, amigos,
eparadas pelo professor-coordenador, complementa o conhecimento sempre gradual que vai se estabeleci sobre o aluno e sua turma.
Assim, o diagnóstico do aluno antigo se realiza no processo de avaliação do desempenho da classe na divisão de tarefas propostas em um projeto de atividades a ser realizado por determinada classe.
Já a atividade diagnostica do aluno que está ingressando na escola tem objeto, instrumentos e objet específicos:
Objeto: são os três âmbitos assinalados no item 1.
Instrumentos: o instrumento, por excelência, para caracterização mais minuciosa e complexa do ai é a entrevista, que idealmente deverá ser acompanhada de aplicação prévia de prova escrita1 (para que se obtidos dados preliminares sobre o desempenho dos alunos, parte do primeiro âmbito, descrito há pouco a Desempenho escolar; motivação e disciplina para o estudo).
Objetivos: são múltiplos e marcam a entrada do aluno na escola, transcendendo o propósito diagnós cm si. Entre os mais importantes, podem ser citados:
1. Diagnóstico (conhecimento do aluno pela escola) [por sua vez, irá dar suporte a uma série dt
atividades, tais como montagem dr.s turmas, orientação de professores, semana de recepção de alunos]
2. Informações sobre a escola (conhecimento da escola pelo aluno) quanto aos seus objeti
princípios, funcionamento
3. Vínculo inicial entre aluno e escola
4. Orientação prévia para o aluno que ingressa na escola
5. Contratos e acordos, em geral informais, entre aluno e escola
O terceiro objetivo talvez seja o mais importante deles. Em comum, representam um cuidado c; i atenção em relação ao aluno, que favorece tanto a motivação para o estudo e seu vínculo com a escola, con possibilidade de mediar, de forma adequada, dilemas, problemas e conflitos.
c) Problemas de diagnóstico
Atualmente está consagrada a afirmação de que se deve partir do aluno real. De fato, o conheci aie quf. a equipe pedagógica tem do aluno é fundamental para favorecer o bom desenvolvimento cog nti emocional e interpessoal deste, as.sim como para se planejar com realismo o trabalho de cada série e, mais isso de cada grupo-classe. Não é taro nas escolas a caracterização do aluno, também denominada de "diagnósl do aluno" 2. Entretanto, temos observado dois graves problemas recorrentes nas caracterizações usualmt feitas:
1. ° - Ha enorme ênfase nos aspectos cognitivos e de conteúdo: ainda que seja consenso que educaçã
algo muito mais amplo que instrução, e que também não se circunscreve ao desenvolvimento do pensamento
das estruturas cognitivas, é comuna não serem contempladas no diagnóstico as esferas emocional, interpes jqí
de Calores, centrais na vida de qualquer pessoa, centrais também para o trabalho pedagógico.
2. ° - Há uma tendência em t. alizar a caracterização social da família do aluno e do conjunto de i íui
para justificar problemas escolares: é comum tais caracterizações justificarem desempenho escc
insuficiente (do aluno ou do conjunto de alunos), assim como problemas de comportamento e de dinâmica
sala. de aula.
Não é ram ouvirmos frases como "filho de bandido, de mãe de má reputação, só poderia dar no t deu!'". •
Em primeiro lugar, é necessário registrar que não dá para se prever o que será de uma criança futuro a partir do conhecimento, ainda que correto e pertinente, do que seus pais são. Pior do que isso, ideias preconcebidas da escola sobre as dificuldades presentes e futuras de um aluno, como produto diri de sua; situação familiar e social, costumam prejudicar muito mais o aluno e seu futuro do que a pró de construir um espaço diferenciado no qual aspectos novos ou pouco desenvolvidos de sua personalic possam tomar forma. Em relação ao futuro, sua previsão atua como profecia auto-realizadora: o aluno tt a se transformar no que esperam dele, exatamente por esperarem isso dele3. Tais previsões, que chega surpreender alguns, parecem .'ratos de bruxaria", mas são tradução do seguinte processo: a sentença sob outro (aluno) é simultaneam riite o desejo (da escola, personificada na figura do professor) que busca aluno) sua realização, e o aíimo responde, à sua maneira, a esse desejo.
Assim, é necessário .extrema cautela com o diagnóstico social e de família, e, em geral, eles prescindíveis, pois ou os problemas familiares se fazem presentes na escola — e isso sempre de fo mediada -, e podem ser detectados nas atividades desenvolvidas e por meio delas, não necessitando pn coleta de dados da família;! ou não se fazem presentes, e talvez não se deva dar especial atenção a eles, para que a escola possa se constituir num campo diferenciado no qual nova identidade e novas relaç possam ser constituídas.
Os dois problemas apontados poderiam ser assim sintetizados: a escola incorre no grave riscc pautar suas ações ao longo dt todo o ano sobre um conhecimento parcializado e muitas vezes estereotipe O aluno torna-se refém desta parte dele mesmo. O ideal é que seja o inverso: que a escola seja capas realizar um diagnóstico mais profundo e, ao mesmo tempo, mais plástico e flexível, que possa se transfòn a partir dos novos elementos que surjam ao longo do contato com o aluno.
II. Montagem de sala de R.ula
Tem sido muito divulgada a ideia de que o ideal para a educação e para o aluno é a cia heterogénea. Mas o que seria essa heterogeneidade? A classe heterogénea exibe em si a diversidade, sobretudo, busca a diversidade em sua composição: alunos diferentes quanto ao sexo, aptidões, desempej escolar, idade, interesses, gostos, entre outras características. Porém, muitos são os professores contrário essa ideia. Por experiência, afrmam que as classes heterogéneas não permitem um bom trabalho. Em uiui casos isso é verdadeiro, pois não é qualquer heterogeneidade que toma a dinâmica da sala facilitadorá e n" produtiva. Não basta formar classes pela ordem de matrícula para se chegar à heterogeneidade da q tratamos aqui.
Para começar, a montagem da classe heterogénea só se torna possível quando há, em detertnin; turno4, mais de uma classe para uma mesma série. Além disso, as ciasses devem ser heterogên internamente, mas o mais homogéneas possível entre si. Essa formação contrapõe-se à tendência, com 'entre muitos professores, de reunir "alunos semelhantes" (em geral do ponto de vista do desenhei escolar) em uma mesma classe, opondo-se, portanto, à tendência de classes dos "alunos fortes", "Jui médios" e "alunos fracos". Mas, ao mesmo tempo, recusa a heterogeneidade criada pelo acaso.
A ideia de constituir classes homogéneas internamente, e diferentes entre si, não parece adequE tanto pelo fato de ser tal meta rigorosamente impossível, como pelo fato de ser indesejável a tentativa, coi veremos nos cinco argumentos apresentados na página seguinte. Antes, entretanto, caberia aqui ui pergunta provocativa ao leitor, caso este defenda a constituição de salas homogéneas internamente: supõe a existência de um grupo a se; dividido, do qual o leitor faça parte, ele se sentiria à vontade sendo conduzi ao conjunto dos considerados "mais fracos" ? O mal-estar criado nessa suposição não costuma ser comi quando montamos, pelo mesm.i critério, classes das quais não fazemos parte. Há sempre o argumento i!.e q "'será melhor para eles", que terão ritmo de trabalho mais adequado para sua capacidade ou velocidade aprender. Há também a ideia de que os alunos não perceberão os critérios de agrupamento, o que resulta: cm uma situação harmoniosa. Mas isso não corresponde à verdade, pois as razões não se explicitam apen cm palavras. O significado real de nossas atitudes muitas vezes é comunicado por outras vias. Exemplo dis são as atribuições de aulas. No caso de classes homogéneas internamente e heterogéneas entre si, a escol ;'e classes passa sempre pelo critério de melhor e pior. O professor mais pontuado sempre escolhe aqiu considerada a melhor. A recusa, mesmo que implícita, em ficar com o que se considera a pior sala aparei queiramos ou não.
A defesa da integração, e sobretudo da inclusão, realizada, por exemplo, na área da educaç; especial, supõe a opção pelas classes internamente heterogéneas, que comportam em si de maneira ciara validade pelo menos para a educação de crianças consideradas normais. Os argumentos contrários à idéi classes internamente homogéneas são os seguintes:
1. Uma "classe dos fracos" acabaria com a auto-estima dos alunos.
2. Uma "classe dos fracos" tenderia a propiciar a denominada profecia auto-realizadora.
3. As capacidades cognitivas dos alunos não são tão fixas, nem seu desenvolvimento
linear para servirem de indicador de aluno fraco e forte.
4. As capacidades mentais são múltiplas. Assim, fraco em quê? Matemática ou Ing Ou ainda
Assim, a busca de constrzir classes internamente heterogéneas, e homogéneas entre si. é o mel caminho. É possível formar classes heterogéneas a partir do sorteio. Mas apresentaremos um método um pó mais sistemático, até para não dar i aita chance ao azar.
Em primeiro lugar, a heterogeneidade de que falamos refere-se sempre a certos aspectos escolhk privilegiados, entre os inúmeros e istentes. Dessa forma, poderemos entender que sexo, idade e desempa escolar sejam aspectos mais relevantes para serem contemplados na formação da turma do que cor de cabi tini' de futebol preferido e número de irmãos na família. Esses aspectos a serem privilegiados variam de esc pai.' escola, de acordo com a realidade (especificidade). Em segundo lugar, a melhor forma de garanti heterogeneidade interna à classe quanto aos aspectos escolhidos consiste em buscar a homogeneidade entre classes, em relação a esses mesmos fatores, ou seja, as classes serão parecidas umas com as outras em rela< aos aspectos privilegiados e isso está necessariamente associado a haver, em cada classe, o mesmo tipo var~.ção e distribuição entre os aspectos escolhidos, personificados nos alunos.
Assim, se uma série de ira período apresenta 40% de alunos do sexo feminino 30% de alunos ~> deso npenlio ao menos adequado e 25% de alunos oriundos de determinada procedência (escola ou cidade), e: disí bmção deverá estar presente também em cada uma das classes. Mas isso ainda não as faz homogéuc entre si, pois tais fatores devem errar combinados: 30% de alunos com bom desempenho académico, em -.u classe, sendo todos do sexo feminil o, forma uma classe totalmente diferente de outra contendo os mesmos 3( de ;'bnos com bom desempenho acalíêmico, porém sendo todos do sexo masculino. Para isso, será necessário, esquematicamente:
1. Montar a j categorias finais, formadas das combinações possíveis presentes nos aspect priv;,'ogiados (categorias básicas). Se, por exemplo, as categorias básicas forem sexo (2), faixa etária (1) procedência [aluno antigo versus iáuno novo] (2), temos 2x2x2 combinações ou categorias finais, ou seja, categorias finais: 1. °) meninas, rualó» novas, da escola, 2.°) meninas, mais novas, de outra escola, 3.°) meiii:i£ mais velhas, da escola, 4.°) menirías. mais velhas, de outra escola, 5.°) meninos etc.
2. Classificar cada indivíduo em termos dessas categorias.
3. Contar o número de indivíduos de cada categoria e estimar a quantidade de alunos de ca<
catet '"ria básica para cada sala de aula.
4. Proceder à atribuição de alunos às turmas, conforme cota prevista para cada classe.
Uma das possibilidades para a formação de turmas pelo professor coordenador é iniciar atribuição a partir de alguns poucos alunos que - segundo pressuposição lastreada no diagnóstico do alun realizado anteriormente - tendem a imprimir grande influencia na classe, e buscar a construção de certos núclec dinâmicos que, com maior chance, propiciam uma alteração mais saudável ou equilibrada
III. Preparação dos professores para a recepção dos alunos
Falar em preparação do professor para a recepção dos alunos significa dar atenção a figur essencial nesse processo. Por mais que a escola se prepare para essa tarefa, sem a incpr^So Ar. «,~e,™~~ - ? •• Roaptado às suas dificuldades. Perde, de certa forma, a real dimensão desse período para o aluno que a cada ano é um. Para os ingressantes na escola, a novidade se expressa de maneira óbvia. Para veteranos, muita coisa se transforma ano a ano, pois a idade escolar em si mesma é repleta de transformações. O aluno antigo em sua escola antiga é, assim mesmo, um sujeito em processo de adaptação. E isso, em geral, não é levado em conta.
Além disso, o professor não tem sido visto, nem por ele nem pela escola, também como alguém que necessita de um processo de adaptação para dar conta daqueles que, apesar de muitas vezes conhecido, no início do ano aparecem completarnente diferentes.
Em suma, mesmo para o professor, a escola também é, em certa medida, nova; nova porque há medidas diferentes, porque as classes ganharam novos agrupamentos com dinâmicas desconhecidas, porque há alunos ingressantes, porque o material didático adotado é diferente do ano anterior, ou por outras razões.
Preparar o professor para recepção dos alunos significa convencê-lo da necessidade de um período de adaptação, tanto dos alunos com relação à escola, quanto dele mesmo em relação aos alunos. Isso deve ser feito a partir da interpretação e sistematização dos dados obtidos na caracterização dos alunos que deve ser apresentada aos professores, mas não em seu estado bruto. A partir dela, é necessário que o coordenador seja capaz de construir uma compreensão do contexto que se anuncia para o cotidiano da escola, que seja capaz de trazer alternativas de trabalho que levem em conta a realidade que se apresenta. Por não ser suficiente o apontamento de problemas, o coordenador deve dar prosseguimento ao processo, pensando na recepção dos alunos.
A resistência dos professores à tarefa de recepção dos alunos está relacionada com a frequente confusão entre atividades de rer-ej-ção e sedução dos alunos. Eles se recusam a participar de circos, concursos de dança e outras coisas para atrair a atenção de seus alunos. Acham isso uma "enrolação", uma "desmoralização", uma "encheçâo de linguiça". E não estão errados. A escola não pode fazer uso de atrações que nada tenham em comum com 'eu dia-a-dia. Não pode iludir o aluno com uma grande festa que, uma vez encerrada, mostra a dura realiddd da rotina escolar. Nada disso! A escola tem seus mecanismos próprios para atrair o aluno, para construir uma viação saudável, de trabalho e de confiança. Aprender e se relacionar ceai as pessoas da escola pode ser muito interessante. Portanto, a recepção dos alunos deve articular estes dois aspectos básicos: trabalho/ construção de vínculo saudável.
Já nos primeiros dias, o aluno precisa entender a que veio, o que está fazendo na escola e com quem pode contar para realizar suas tarefas. No entanto, esse trabalho não tem seu produto como finalidade máxima; mais importante que isso é que alunos e professores, mais a equipe técnica e outros funcionários, em interação, possam ir se reconhecen 'o, reconhecendo seus espaços (inclusive físicos), identificando seus ritnos, suas formas de ensinar e aprender e, por que não, seus limites.
Algumas atividades podem ser sugeridas para isso.
> •
IV. Recepção de alunos
A recepção dos alurç>s deve ser pensada em três níveis:
1. O primeiro dia de aula: Este dia é importante para todos os alunos, mas especialmente para os novos. É aconselhável, qiiíuido possível, que a escola taça um calendário de início de ano escalonado, com as turmas ingressantes ( l.as ) chegando com alguns dias ou uma semana de antecedência em relação às outra-í. Jsso beneficia o contato d > escola com os alunos novos e estabelece bases positivas para os anos seguintes; afinal, a primeira impress: o é sempre muito marcante.
Com essas turmas, o trabalho estará voltado para o acolhimento e as apresentações
tanto dos alunos, como dos professares, dos funcionários, dos espaços físicos etc. Mas essas apresentações não devem ser feitas apenas formal ou burocraticamente; é muito pouco, por exemplo, a distribuição de uma apostila com informes gerais. O importante é que os alunos sejam levados à interação, que explorem de maneira orienír.da os espaços da escola, que conheçam algumas pessoas que serão referência em seu cotidiano, mesmo que fora de sua sala de aula.
Existem ^numeras formas de alcançar isso. Este texto pode sugerir sucintamente
algumas delas. ,
Dinâmica de apresentação em sala de aula. Supondo se uma sala de quarenta
alunos, dispostos em círculo, o professor atribui em um único sentido (sentido horário, por exemplo) um número para cada aluno, de duas séries consecutivas que vão de l a 20, de maneira que cada membro da sala tenha um número igual ao do colega que esteja à sua frente. A atividade consiste no seguinte: o número l, olhando para o sc> i colega de mesmo número, e sem o conhecer, procura descrevê-lo e apresentá-lo (como é o colega, do que gf sia, do que não gosta, seus piores defeitos, suas virtudes); tudo imaginado a partir de suas impressões iniciais. toíjos os alunos devem fazer Isso por escrito (turmas alfabetizadas), em um tempo estipulado (de
COsfcina ser divertido e rico o choque entre apresentação feita a partir da primeira
impressão e a realizada pelo áujèito apresentado. Essa atividade exige que o aluno observe o seu colega e,
cofiseqúentemente, os julgamentos preconceituosos realizados no primeiro dia de aula. O grupo tende a ter um
bom entrosamento. :
O reconhecimento da escola. A classe pode ser dividida em grupos, com tarefas específicas:
a) conhecer o prédio da escola e identificar as finalidades de cada espaço. A partir daí,
elaborar uma planta da escola para ser apresentada aos colegas dos outros grupos. A atividade exige organização do grupo, exercício da curiosidade, sistematização e divulgação posterior da informação.
b) entrevistar funcionários da escola, diretor, merendeiro, servente, secretário,
professor, identificando as diversas funções existentes na escola, suas atribuições e responsabilidades. Ao final da tarefa, além de expor aspectos essenciais das entrevistas, o grupo pode tentar montar um organograma da escola para apresentar para os olegas. A atividade exige que seja elaborado um roteiro de entrevista, que o ah -10 vá em busca de pessoas cL-iitro da escola, que entre em contato com elas e, por meio disso, que possa ré Deitar aquela função e aquele funcionário. Também exigirá uma coordenação dos aspectos da escola que dão a .-'Si grande parte de sua complexidade.
c) (dependendo da idade dos alunos) realizar visita orientada às redondezas da
escola, com o objetivo de entrevistar alguns moradores e/ou comerciantes para identificar o impacto da escola n;i vizinhança. Quando grande parte do alunado provém da região, essa atividade valoriza sua origem; quando é de regiões distantes, esse contato é fundamental para que o aluno estabeleça um vínculo entre ele, a escola e a redondeza.
Todas as atividades realizadas devem produzir não apenas relatos, mas material a
se afixado em murais, mostrando que aquele espaço começa a ser ocupado por aqueles alunos. Isso também é n:.: to importante porque expliciía, com a ação, e não com o discurso, que aquele lugar é deles. ; esse uso pç nítido, produtivo e intencionalmente planejado cria uma relação afetiva entre aluno/fimcionário/espaço que tende a inibir, em grande medida, ataques às pessoas e dependências físicas da escola.
Além disso todas atividades exigem esforço, traoalho disciplina e envolvimento dos
aSunos. E essa é uma apresentação essencial: na escola, esses atributos são insubstituíveis, mas fica claro, tanbém, que não são incompatíveis com o vínculo, a amizade e a afetividade.
Com as turmas de alunos que ingressaram em anos anteriores, a preocupação maior
é com a integração dos alunos novos. E necessário que a escola se organize para promover dinâmicas em que as panelinhas não sejam o critério de .agrupamento. A escola deve mostrar que aceitou o aluno novo de fato, e para isso precisa se organizar para recebê-lo, possibilitando-lhe a adaptação necessária.
Além disso, não podemos nos esquecer de que o aluno já conhecido volta de férias,
em geral, muito diferente, esperando as novidades da escola. É bem verdade que isso não justifica a utilização da mesma dinâmica sugerida para as turmas novas. Lá, a primeira impressão é o núcleo da discussão, aqui, isso seria uma farsa para 80% da sala e tenderia a excluir ainda mais os novos. Contudo, também para o aluno veterano é importante o acolhimento inicial.
Nesse período, as tarefas devem ser mais curtas para que possam ser discutidas
previa e posteriormente. É muito importante que o aluno entenda o sentido das tarefas, que saiba realizá-las e que perceba o movimento geral dos professores para esclarecer dúvidas e identificar dificuldades. Isso cria uma situação de segurança em que ò aluno sabe que pode contar com o professor para entender o que ele (professor) quer ou o que ele (aluno) precisa! É necessário ressaltar que o ano letivo começa no primeiro dia de aula, que o trabalho tem início desde as primeiras atividades, ou seja, não se deve seduzir o aluno com a ausência de trabalho nos primeiros dias, nem tampouco utilizá-lo de maneira reducionista, exagerando em seu volume para dar a pretensa impressão de escola "forte".
3. O primeiro bimestre: o primeiro bimestre deve ser considerado sempre, inclusive para as turmas já conhecidas, um período de adaptação. As aulas já transcorrem normalmente nesse período, mas o professor deve estar muito atento ao ritmo da classe. Exigir dela um pouco mais do que ele avalia que ela possa dar, e esperar sua resposta a esse desafio, é aconselhável para seu contínuo processo diagnóstico. Além disso, é importante que haja vários momentos de avaliação, para que o professor não perca de vista as dificuldades dos alunos enquanto estes ainda não estão habituados a identificar suas próprias dúvidas.
Todas essas atividades voltadas para o inicio do ano atingem, além dos objetivos já apontados, um outro essencial: são dissipadas muitas das falsas imagens criadas fora e dentro da escola, e, fundamentalmente, cria-se um canal: de comunicação pouco ou nada prejudicado por interferências. É muito comum que esse canal se estabeleça ao longo do ano quando há algo a ser resolvido, um problema já instaurado, um culpado a ser encontrado. Quando ocorre no inicio do ano, e direto e anterior ao problema, o que permite maior abertura para o dialogo e, portanto, para o amadurecimento de todos que dão vida à escola.
1. Esse procedimento nada tem em comum com a seleção dos melhores alunos ou com a
segregação destes por classes ou períodos. Entretanto, as informações provenientes deste trabalho
poderão ser úteis na montagem das salas de aula, a partir do critério de heterogeneidade, o que será
discutido mais adiante.
2. Estamos aqui nos referindo a procedimentos sistemáticos de obtenção de informação relevante
sobre o aluno, pois, conforme apontamos em artigo anterior Sobre o Diagnóstico, publicado no
livro O coordenador pedagógico e a educação continuada (Christov, 1998), algum conhecimento
relevante do aluno sempre é possível mediante conversas informais.
3. A denominada profecia auto-realizadora está relacionada aos mecanismos transferenciais e
contratransferenciais postulados pela psicanálise, discussão muito interessante, mas que não cabe
nos limites deste sucinto artigo. Sobre profecia auto-realizadora, confira artigos do livro Introdução
à psicologia escolar (Patto, 1989). Sobre transferência, pode-se ler no texto freudiano conferências
introdutórias à psicanálise (Freud, 1981).
4. Não estamos aqui fazendo referência à importante questão dos critérios a serem adotados para
atribuição do período ou turno no qual o aluno deverá ser matriculado. Evidentemente, supomos
que critérios democráticos, de equidade e funcionais devem nortear tal atribuição - além do que for
disposto por lei -, o que deve ser pensado com zelo pelo professor coordenador.
Referências bibliográficas
FREUD, Sigimmd. Lecciones introductorias ai psicoanálisis. In: _. Obras completas. 4a. ed.
Madrid, Biblioteca Nueva, 1981 [ 1916-1917].
GUIMARÃES, Ana Archangelo & VILLELA, Fábio Camargo Bandeira. Sobre o
diagnóstico, ín: CHRISTOV, Luiza Helena da Silva et. Alii. O coordenador pedagógico e a
educação continuada. São Paulo, Loyola, 1998.
PATTO, Maria Helena Souza. Introdução à psicologia escolar. 2a. ed. São Paulo, T.A.
Queiroz, 1989.
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